quinta-feira, 12 de maio de 2016

O efeito do Papa Francisco na crise da Europa a propósito dos refugiados

Há um “efeito” do Papa Francisco na crise da Europa a propósito dos refugiados, a avaliar pelos resultados de uma sondagem publicada há dias em França pelo semanário católico La Vie: 54 por cento dos católicos interrogados no final de Abril são favoráveis ao acolhimento dos refugiados chegados recentemente à Europa. Um mês antes, apenas 38 por cento manifestavam essa disponibilidade. Entre as duas sondagens, o Papa realizou a sua viagem a Lesbosa ilha grega onde têm chegado milhares de pessoas em busca de auxílio, e levou consigo, para Roma, três famílias sírias que tinham fugido da guerra.


Uma das famílias de refugiados sírios, já em Roma 
(foto reproduzida daqui)

Jérôme Fourquet, um dos responsáveis do instituto que fez o inquérito, diz, citado por La Vie, que “o Papa desperta as consciências dos católicos praticantes e provoca um electrochoque, ou seja, um sobressalto.”
No total, revela ainda a sondagem (mais informações e resultados aqui), 46 por cento dos franceses é favorável ao acolhimento de refugiados.

Na semana passada, o Papa recebeu o Prémio Carlos Magno, que uma associação sediada na cidade alemã de Aachen (Aix-en-Chapelle) atribui a quem se distinga no trabalho em favor da paz e da unidade na Europa.  
No seu discurso, o Papa criticou a corrupção e os muros que se erguem contra os refugiados. E perguntou: “Que te sucedeu, Europa humanista, paladina dos direitos humanos, da democracia e da liberdade?” Citou ainda Robert Schuman, para afirmar: “‘A Europa não se fará duma só vez, nem através duma construção de conjunto; far-se-á através de realizações concretas que criem, antes de tudo, uma solidariedade de facto’. (...) é preciso voltar àquela solidariedade de facto, à mesma generosidade concreta que se seguiu à II Guerra Mundial, porque ‘a paz mundial – continuava Schuman – não poderá ser salvaguardada sem esforços criativos à altura dos perigos que a ameaçam’. Os projetos dos Pais fundadores, arautos da paz e profetas do futuro, não estão superados: inspiram-nos hoje, mais do que nunca, a construir pontes e a derrubar muros. (O discurso pode ser lido aqui na íntegra; duas notícias com excertos podem ser encontrados aqui e aqui). 
Uma das famílias de refugiados que foi para Roma, e que deixou a sua casa depois de um bombardeamento, afirmava há diasao Religión Digital, que o Papa lhes ofereceu “um sonho” e “uma nova oportunidade com esperança de um futuro seguro”.

Precisamente sobre o sentido da viagem do Papa a Lesbos (e também sobre a forma como o assunto foi noticiado nas televisões portuguesas), Eduardo Jorge Madureira escreveu, na sua crónica Os Dias da Semana, no Diário do Minho de 17 de Abril:

Doze sírios no Vaticano

O filósofo Emmanuel Lévinas e, depois, o ensaísta Jacques Julliard encontram-se entre os que indicaram o correcto modo de combinar a caridade e a justiça. “A caridade é impossível sem a justiça e a justiça deforma-se sem a caridade”, explicou Emmanuel Lévinas, em Entre nous. Essais sur le penser à l’autre (Paris: Grasset, 1991). Em O fascismo que se avizinha (Lisboa: Instituto Piaget, 1996), Jacques Julliard sustentou que “a justiça sem caridade é uma ilusão, a caridade sem a justiça é uma impostura”. Praticar a caridade e lutar pela justiça são, pois, acções que se devem associar. O Papa Francisco conjugou-as ontem na ilha grega de Lesbos.

Os abundantes relatos noticiosos, que dominaram a tarde informativa de ontem, destacaram o facto de, com o Papa Francisco, terem seguido para o Vaticano 12 refugiados sírios, seis dos quais menores. Diversos diários, como, por exemplo, Le Figaro, que diz tratar-se de uma “iniciativa absolutamente sem precedentes”, The Guardian, El País ou The New York Times tiveram no topo dos seus sites a notícia dessa ida para o Vaticano das três famílias muçulmanas, que se encontravam em vias de deportação. Entre nós, a RTP 1 esteve à altura de entender a importância da visita papal, dando-lhe apropriado destaque na abertura do Telejornal. A SIC referiu a notícia na abertura Jornal da Noite, mas empurrou o seu desenvolvimento para meia hora mais tarde, para depois dos habituais longos minutos de publicidade. A TVI despachou o assunto a correr, também quase meia hora depois do início do Jornal das 8 e a seguir à publicidade; os minutos poupados distender-se-iam, depois, para noticiar a visita do príncipe William de Gales e Kate Middleton à Índia e descrever com minúcia o guarda-roupa que Kate aí usou.
Ao visitar Lesbos, Francisco demonstrou querer estar próximo dos que fogem da guerra e da miséria, manifestando-lhes a sua solidariedade. “Não estais sós”, disse o Papa aos milhares de refugiados que se encontravam no campo de Moria. Muitos foram cumprimentados pelo Papa, que foi acompanhado por Bartolomeu I, patriarca de Constantinopla e líder espiritual das igrejas ortodoxas, e Jerónimo II, que preside à Igreja de Atenas e de toda a Grécia. Francisco encontrou-se ainda com outro grupo de refugiados, que o aguardavam sentados numa tenda. Entre os que o esperavam, encontravam-se dezenas de crianças. Uma criança afegã proporcionou um momento de assinalável conteúdo simbólico, ao oferecer um desenho que fizera, no qual se podia observar um pequeno barco com a bandeira do Afeganistão. Os jornalistas presentes retiveram as palavras que o Papa dirigiu aos seus assessores: “Quero guardá-lo. Que não se perca, é para a minha secretária. Isto é um símbolo”.

A visita não se esgotou na afirmação da proximidade do Papa para com as vítimas deste drama. “Viemos para atrair a atenção do mundo perante esta grave crise”, foi uma das afirmações de Francisco que o diário espanhol El País sublinhou. Notando que as viagens do Papa “têm vindo a subir de intensidade”, o jornal citou o “veemente chamamento à responsabilidade e à solidariedade” feito na Grécia. Atrair a atenção e reclamar que a situação se resolva. A “Europa é a pátria dos direitos humanos”, razão por que “qualquer um que ponha o pé em solo europeu deveria poder experimentá-lo”.
Afirmando compreender a preocupação das instituições e das pessoas, que considerou legítima, o Papa pediu para que não seja esquecido que os emigrantes “não são números, mas pessoas com rostos, nomes, histórias”. Francisco, como, mais uma vez, se viu, não se cansa de associar gestos concretos aos pedidos que formula.

2 comentários:

Arlindo Pinto disse...

Papa Francisco, um Homem! Pela justiça, pela paz, pela caridade, pela dignidade de todos e de cada um e cada uma. “Somos todos irmãos e irmãs”, repete tantas vezes. “Todos e todas filhos do mesmo Pai”. Que tenha uma vida longa, com saúde e lucidez, para levar a Igreja e a Humanidade à plenitude da Vida! Abraço, amigo António.

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Muito, muito bom , tudo o que bem escreveu sobre o Papa Francisco na Revista E do Expresso de 30.04.2016

Muitos parabéns.

Um abraço do

Augusto