sábado, 3 de novembro de 2012

Que país queremos ser? – pergunta a Comissão Justiça e Paz


A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) promove neste sábado uma conferência anual sobre o tema “Portugal: o país que queremos ser”.
“Estamos perante desafios importantes da nossa cultura e identidade; num tempo de crise, que também é de oportunidades para repensar modelos de vida e de felicidade individuais e coletivos, e rever instituições, com vista a torná-las mais justas e mais humanas”, justifica a Comissão, organismo da Igreja Católica para intervir em questões sociais.
Esta tarefa, acrescenta a CNJP na apresentação da iniciativa, “deve ser participada”. Impõe-se, por isso, “de forma clara que cada um se reconheça artífice da construção coletiva.”
A Comissão tomou recentemente uma posição muito dura contra as políticas do Governo. Numa nota com o título “Os números e as pessoas", a CNJP considerou que a orientação económica e financeira do Executivo evidencia falhanços em vários níveis, nomeadamente na  equidade e na correcção das desigualdades.  
 Na conferência deste sábado, que decorre a partir das 9h30 no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, Francisco Seixas da Costa tratará da questão da reforma do sistema financeiro.
A partir da nota do Conselho Pontifício Justiça e Paz, onde se pedem “formas de controlo monetário global”, Seixas da Costa falará sobre a perspectiva de uma autoridade financeira de competência universal. A nota do Conselho Pontifício diz que o Fundo Monetário Internacional (FMI) perdeu “a sua capacidade de garantir a estabilidade das finanças mundiais”. O FMI é uma das instituições envolvidas no memorando de entendimento com Portugal, garantindo empréstimos para pagar a dívida pública portuguesa.
Na conferência, cujo programa pode ser consultado na página da CNJP na internet, intervêm ainda o general Ramalho Eanes (sobre “A sociedade civil nas sociedades democráticas contemporâneas”) e o constitucionalista José Gomes Canotilho (que tratará o tema “O papel do Estado na realização do bem comum”).
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Policarpo, e o presidente da CNJP, Alfredo Bruto da Costa, encerram a sessão.
Ontem mesmo, o bispo do Porto apelou a que o Estado deve garantir o apoio aos cidadãos, de forma a que ninguém fique desamparado.

Comentário – As duas Igrejas
A conferência da CNJP traduzirá, mais uma vez, a existência de duas Igrejas Católicas que nunca se encontram – à semelhança de duas linhas paralelas; digo duas, como caricatura, porque há mais. Mas, no que diz respeito à intervenção social, há pelo menos esses dois tipos de intervenção: a de organismos como a CNJP ou a Cáritas, normalmente preocupadas com as consequências das decisões políticas e económicas na vida quotidiana dos cidadãos; e a de outros grupos ou movimentos católicos (que estão sobretudo alinhados com a direita do espectro político) que se limitam a enunciar princípios genéricos da doutrina social católica, mas sem indicar consequências nas decisões políticas.
O que se passa actualmente com a crise financeira europeia é disto exemplo. O documento do Vaticano antes citado fala da necessidade de refundar o sistema financeiro internacional – na linha, aliás, de várias tomadas de posição dos papas João Paulo II e Bento XVI. Essa afirmação é feita na consideração de que o actual sistema financeiro não respeita alguns princípios fundadores do pensamento social católico: nomeadamente, a centralidade da pessoa e a supremacia do bem comum  em relação ao uso privado dos bens.
Por isso, também, quando tanta gente por toda a Europa se manifesta – nos meios de comunicação, nas redes sociais, nas ruas – para exigir uma outra atitude dos governos, seria importante que os responsáveis da Igreja Católica entendessem esse clamor. Ainda esta quinta-feira, o patriarca de Lisboa insistia na TSF na ideia de que a democracia não se decide na rua.  Mas não é isso que está em causa: se os cidadãos que tomam posição (desde altos dirigentes partidários e ex-governantes) não querem que a democracia se decida na rua, também estão a afirmar que não querem que a democracia lhes seja roubada por um poder financeiro obscuro, e que ninguém escolheu – logo, que não é de todo democrático.
Seriam questões interessantes para ver debatidas na conferência da CNJP – e para ver debatidas entre católicos de diferentes perspectivas, que nunca se encontram... 

1 comentário:

maria disse...

muito bom, o comentário. gostei da definição das "duas igrejas que nunca se encontram).