quinta-feira, 15 de julho de 2010

O silêncio

José Tolentino Mendonça

Página 1, 15.7.2010

Durante anos o compositor John Cage sondou a possibilidade de uma obra sem sons, mas impedia-o duas coisas: a dúvida se essa tarefa assim não estaria, desde logo, votada ao fracasso, porque tudo é som; e a convicção de que uma composição tal seria incompreensível no espaço mental da cultura do Ocidente.

Foi contudo sendo encorajado pelas experiências que se realizavam nas artes visuais, em particular a série de pinturas de Rauschenberg, de quem era amigo, algumas todas em preto,outras em branco. Assim, em Agosto de 1952, estreia a sua peça 4’33’’; num concerto onde também se interpretaram obras de Christian Wolff, Morton Feldman, Pierre Boulez.

A proposta de John Cage era completamente insólita: o músico devia subir ao palco, saudar o público, sentarse ao instrumento e permanecer, em silêncio, por quatro minutos e trinta e três segundos, até que, de novo, se levantasse, agradecesse à plateia e saísse. Na assistência instalou-se a polémica e choveram as vaias. Mas ao longo de toda a sua vida, John Cage referiu-se a essa peça com sentida reverência: “a minha peça mais importante é essa silenciosa; não passa um só dia que não me sirva dela para tudo o que faço”.

Susan Sontag, num ensaio que intitulou “A estética do silêncio”, pega, entre outros, neste exemplo de Cage para pensar no significado desta espécie de “fuga para o silêncio” que a arte e o pensamento contemporâneos têm sublinhado. Dá que pensar a frase com que abre o seu ensaio. Diz ela: “Cada época deve reinventar para si mesma o projecto de uma espiritualidade”.

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Versão integral do texto: AQUI.

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