sábado, 6 de fevereiro de 2010

As igrejas do século XXI são caixas, brancas e minimais


(Foto: fachada da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, ou do Senhor Jesus, em Munique)

No Público/P2 de hoje, publiquei um trabalho a propósito de uma exposição que hoje foi inaugurada em Lisboa, sobre arquitectura de igrejas na Alemanha. A exposição "Made in Germany - Arquitectura + Religião" está no Museu Nacional de História Natural (Sala do Veado) - Rua da Escola Politécnica, 58, em Lisboa (de terça a sexta, 10h-17h; sábado e Domingo, 11h-18h; até 28 de Fevereiro).

De linhas direitas, depuradas, modulares como conjuntos de caixas de vários tamanhos. Esta pode ser a tendência da arquitectura de igrejas para o século XXI. Uma exposição em Lisboa mostra edifícios religiosos alemães e põe em diálogo arquitectos e teólogos

Uma igreja deve ter um eixo central ou uma forma circular? Tem de afirmar-se na paisagem ou ser discreta? Deve colocar em diálogo a arquitectura e outras artes ou depurar a linguagem simbólica? Tem de preencher o espaço ou esvaziar-se? O arquitecto João Alves da Cunha analisou igrejas construídas nesta primeira década do século XXI, em Portugal, e descobriu uma tendência: "O minimalismo cúbico, branco, em betão, numa caixa ou composição de caixas, simples."

Pode estar descoberta a tendência na arquitectura de igrejas para este início de século depois de décadas de oscilação. Entre as que se diluíam na cidade ou as monumentais, entre as modernas e as neogóticas, entre as longitudinais e as circulares, as igrejas têm vagueado à procura de uma linguagem contemporânea.

Mesmo que essa linguagem se traduza em modelos diferentes - cada desenho pode revelar também diferentes concepções teológicas. Made in Germany - Arquitectura + Religião, a exposição que é hoje inaugurada no Museu de História Natural, em Lisboa, sobre novos edifícios religiosos na Alemanha (igrejas, crematórios e uma sinagoga), faz um ponto de situação da nova arquitectura religiosa alemã.

Porquê a Alemanha? "Está sempre um passo à frente, na arquitectura e na teologia", diz João Alves da Cunha, responsável, com o arquitecto e padre jesuíta João Norton, pela vinda desta exposição a Portugal.

Nesse sentido, os projectos, maquetas e fotos que agora podem ser vistos no museu são reveladores de algumas tendências que marcam as igrejas contemporâneas. Alves da Cunha cita mesmo directrizes recentes do episcopado católico alemão, em relação ao que (não) devem ser as igrejas: "O modelo processional não é o caminho a seguir", cita o arquitecto português, referindo-se ao desenho longitudinal: duas filas de bancos, altar ao fundo destacado, como um palco onde se desenrola um espectáculo ao qual se assiste.

As normas dos bispos alemães não apontam a estética a seguir. Essa é deixada à criatividade dos autores. Aliás, apesar de contrariar os desejos do episcopado germânico, uma das obras mais espectaculares que se pode ver na exposição - a Igreja do Senhor Jesus, em Munique (Allmann, Sattler e Wappner) - adopta mesmo o desenho do eixo central processional.

A igreja chama a atenção por vários pormenores: as duas portas gigantescas que ocupam toda a fachada, a concepção de uma caixa de madeira (o espaço de celebração) dentro de uma caixa de vidro (o exterior), o deambulatório entre a madeira e o vidro. Ou ainda a via-sacra que, em vez de ser feita com cruzes, pinturas ou pequenas esculturas, como é habitual, é representada em fotografia.

Nas últimas décadas, o espaço da celebração foi sendo despido de escultura ou pintura, optando apenas, de vez em quando, pela representação do santo padroeiro e/ou de Nossa Senhora. Por isso predominam, nas edificações das últimas décadas, edifícios mais vazios. A utilização da fotografia nesta igreja de Munique recoloca a questão do uso da arte contemporânea no espaço religioso, que se pretende cada vez mais depurado por contraste com o ruído da imagem que nos cerca por todo o lado, diz João Alves da Cunha. O que deveria levar ao debate também sobre a função e o lugar da imagem no espaço sagrado, acrescenta João Norton.

No caso da igreja de Munique, o seu desenho longitudinal foi o que mais polémica provocou no projecto, diz Alves da Cunha. Mas ela tem outra particularidade: pode ser convertida em sala de concertos, para escutar o grandioso órgão colocado sobre a entrada, virando apenas as costas dos bancos.

Crematórios e sinagoga

A exposição foi preparada pelo Goethe-Institut de Munique. Mostrando edifícios projectados e construídos entre 1998 e 2004, passou já por cidades como Brasília, Atenas, Nairobi, Toulouse, Kiev, Bruxelas, Caracas, Casablanca e Banguecoque. Lisboa é a penúltima escala, antes de Madrid.

Entre os nove projectos expostos estão dois crematórios, uma casa de retiros e uma sinagoga judaica. Um dos edifícios (agora igreja de um mosteiro) começou por ser o pavilhão inter-religioso na Expo de Hanôver 2000.

Há ainda uma igreja que é metade católica, metade protestante e pode ser convertida num espaço comum para celebrações ou iniciativas conjuntas. O ecumenismo é outro tema em que os alemães estão na frente. E, além da nova Sinagoga de Dresden (2001), vale a pena reparar ainda na Capela da Reconciliação, uma casca de madeira em ovo, edificada em 2000 em cima da linha onde passava o Muro de Berlim e onde antes tinha estado outra igreja.

O programa da exposição prevê a vinda de um teólogo e quatro arquitectos alemães a Portugal para a realização de um colóquio, onde estarão também arquitectos e teólogos portugueses. Será no dia 20, no Goethe-Institut de Lisboa, a partir das 9h00.

Nos dias imediatamente antes do colóquio, os autores de alguns dos edifícios que podem ser apreciados na exposição de Lisboa irão conhecer igrejas construídas recentemente em Portugal e dialogar com os seus autores.

O périplo começa na Capela de São José (Quebrantões, Gaia, de José Fernando Gonçalves) e prossegue no Marco de Canaveses (Igreja de Santa Maria, de Siza Vieira), antes de culminar, na etapa nortenha, com um encontro aberto na Casa da Música, na noite de dia 17.

Em Fátima, serão visitadas a igreja do convento dos dominicanos (Luís Cunha) e da Santíssima Trindade (Alexandros Tombazis) e, em Portalegre, a Igreja de Santo António (Carrilho da Graça). A 19, em Évora, o Museu de Arte Sacra, do mesmo autor. E, em Lisboa, a igreja do convento dos Dominicanos, da dupla João Paulo Providência e José Fernando Gonçalves.

Um outro itinerário será hoje mesmo proposto pelo Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, com uma visita a quatro igrejas da capital: Sagrado Coração de Jesus, de Nuno Portas e Nuno Teotónio Pereira (onde o programa se inicia, às 10h30, com duas conferências dos arquitectos José Manuel Fernandes e João Alves da Cunha), Nossa Senhora de Fátima (Pardal Monteiro), Moscavide (João D"Almeida) e Convento Dominicano.

Impossível ignorar a polémica recente sobre a futura Igreja de São Francisco Xavier, em Lisboa, do arquitecto Troufa Real. João Alves da Cunha e João Norton desvalorizam o projecto e a concepção. Diogo Lino Pimentel, do Secretariado das Novas Igrejas do Patriarcado de Lisboa, diz que é à comunidade de católicos daquela paróquia que compete decidir se quer uma igreja assim. "Uma igreja não se deve impor à cidade, mas propor-se à cidade", afirma.

1 comentário:

Helena Araújo disse...

Dois casos muito curiosos de arquitectura religiosa na Alemanha, cuja visita recomendo:

- Santa Klara, em Nuremberga: recuperação de uma das igrejas mais antigas de Nuremberga, retirando-lhe o caracter de museu e recuperando a sacralidade. Procurar no google images por "santa klara nürnberg"; ou ainda: http://conversa2.blogspot.com/2008/11/santa-klara.html

- O espaço de meditação no coração Parlamento Federal (edifício do Reichstag, em Berlim). Alguns deputados recolhem-se nessa sala antes da reunião no plenário. Não tem imagens religiosas, mas indica a direcção de Jerusalém e de Meca. http://www.bundestag.de/kulturundgeschichte/kunst/kuenstler/uecker/index.html