domingo, 23 de janeiro de 2005

Propor a esperança, abrir portas a um futuro melhor
Comunicado da Comissão Nacional Justiça e Paz


1. Um mês antes das eleições legislativas de 20 de Fevereiro vimos publicamente reafirmar a importância do próximo acto eleitoral, reforçar a exigência de qualidade no debate partidário, sublinhar a necessária participação de todos e dar razões da nossa esperança quanto ao futuro do país. Dirigimo-nos, sobretudo, aos nossos irmãos e irmãs na fé, mas também a todos os cidadãos e cidadãs. Não com uma palavra de quem sabe mais, ou tem soluções definitivas para o nosso viver em comum. Antes, animados pelo desejo de contribuirmos para superar o ambiente de desânimo que atravessa a nossa sociedade. Procuramos, assim, responder ao convite recentemente formulado pelos Bispos portugueses: ?Empenhar-se na construção da comunidade nacional é, para os cristãos, uma forma de exprimirem a sua fidelidade cristã?.

2. As eleições legislativas são um momento particularmente importante da vida democrática. Todos temos o dever de as encarar seriamente. Sem falsos messianismos ? esperando que alguém se proponha resolver todos os nossos problemas ?, nem fácil cinismo ? argumentando que ?é tudo a mesma coisa?. Ambas as posições são modos subtis de fugirmos à nossa responsabilidade individual e de recusarmos tomar consciência das relações entre o modo como vivemos, as escolhas que fazemos no nosso dia-a-dia e as prioridades que queremos ver inscritas na condução dos assuntos públicos. São, numa palavra, formas de não aceitar o convite do Papa João Paulo II quando escreve: ?Todos, de alguma forma, estão implicados no compromisso pelo bem comum, na busca constante do bem dos outros como se fosse o próprio?.

3. No actual contexto português, o próximo acto eleitoral ?não pode limitar-se a resolver uma crise política, mas deve enfrentar, com serenidade e lucidez, os problemas de fundo do país, apresentando para eles soluções credíveis e viáveis, a serem escolhidas pelo voto dos portugueses?, afirmam os Bispos portugueses. Para que tal aconteça cabe decisiva responsabilidade aos dirigentes partidários, a todos os candidatos e aos meios de comunicação social. Sem apresentação clarificadora do que consideram ser os principais problemas e as maiores potencialidades do país, sem propostas para enfrentarem uns e reforçarem outras, a campanha eleitoral pode reduzir-se a simples habilidades de comunicação, determinando maior afastamento dos cidadãos em relação aos seus eleitos.
Mas, tal como recordam os Bispos portugueses, cabe também, a cada um de nós, tudo fazer para ?forçar os partidos a porem o acento da sua intervenção na qualidade das propostas que nos fazem, na competência e dignidade das pessoas e não apenas nos discursos que o ambiente de campanha habitualmente inflama?.

4. Por todas estas razões, a participação de todos e de cada um é necessária. Não há verdadeiro amor cristão que se possa alhear das escolhas que determinam boa parte do nosso viver em comum. Ninguém se respeita a si próprio se nega o seu labor diário por uma sociedade mais justa e mais fraterna, ao não participar nos momentos em que se escolhem os programas e as pessoas que vão presidir, nos próximos anos, à gestão da coisa pública.


?Para os cristãos, o critério de avaliação? das diferentes propostas políticas ?é o Evangelho e a doutrina social da Igreja?. Critério que não anula o pluralismo das opções políticas dos cristãos, conforme repetidamente o Magistério da Igreja vem sublinhando, mas que exige a cada um o indispensável discernimento pessoal. Escolher, em política, confronta-nos com as questões que formulamos perante a realidade, com o que nela nos inquieta e com o que desejamos, para nós e para os outros, mesmo quando não sabemos como alcançá-lo. Como lembram os Bispos: ?Não esqueçamos que só tem direito de criticar e denunciar quem se empenha generosamente na busca de soluções?.

5. Mas, se há algum critério para aferir da participação política dos cristãos, ele é certamente o da capacidade de anunciar a esperança. O momento que vivemos precisa das vozes da esperança, precisa dos gestos que se pautam pelo fazer bem, precisa de corações que acarinhem sonhos de dias melhores e que os partilhem com os demais, precisa de muito investimento nas pessoas e de muita dedicação ao bem comum, precisa da cooperação como principal trampolim para a melhoria da nossa vida colectiva, precisa de cada uma e de cada um. Não há cidadãos dispensáveis, dentro e fora dos partidos políticos, quando se trata de criar uma comunidade nacional solidária, desenvolvida, apta a enfrentar com esperança os tão incertos dias que se avizinham.

6. Também nós somos testemunhas de que, apesar de um clima de pessimismo que parece querer instalar-se, encontramos pessoas disponíveis, interessadas em melhorar as condições de vida dos cidadãos, o modo de gerir as suas empresas e de aplicar os seus rendimentos, de aperfeiçoar as relações de trabalho e as relações interpessoais. Em todos os ambientes encontramos pessoas construtoras permanentes e persistentes do bem comum. Multiplicam-se os gestos concretos de solidariedade e de compromisso com os mais pobres, de envolvimento na inovação, em muitos locais de trabalho e de vida, de melhoria permanente das condições da existência e de promoção da dignidade humana, no funcionamento das instituições públicas e privadas.
Precisamos, é certo, de criar dispositivos de valorização e de incentivo público a todos e cada um dos portugueses e portuguesas que assim agem. Dispositivos que podem ser muito diversos, mas que se deveriam nortear pela partilha do que de mais positivo se faz e se alcança, pela valorização do trabalho perseverante que tantos desenvolvem em prol de uma sociedade mais justa e fraterna, pela comunicação da esperança que tantos desencadeiam em tantos rostos angustiados e esquecidos.

7. A nossa esperança funda-se no amor infinito de Deus que se dirige a cada um dos seres humanos, mulheres e homens, definitivamente irmanados pelo nascimento de Jesus, Deus encarnado, feito um de nós. ?Com a sua morte e ressurreição, Cristo nos redimiu e resgatou ?por um grande preço?, alcançando a salvação para todos?, escreve o Papa na sua última mensagem do Dia Mundial da Paz. A nossa esperança transmite-se nestes gestos fraternos e de procura incessante e difícil do bem comum. A nossa esperança alimenta-se na alegria daqueles que eram excluídos e encontraram abrigo, daqueles que estavam perdidos e encontraram um rumo para as suas vidas, daqueles que apenas viviam cada hora que passa e descobriram novos sentidos e outros cidadãos com quem constroem uma vida melhor, para si e para aqueles que lhes estão próximos. A nossa esperança vem de Deus e vive-se com os irmãos, em comunidade de amor.

Mais do que nunca, neste próximo mês, os cristãos deste país são chamados a serem testemunhas da esperança que abre as portas de um futuro melhor para todos.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2005

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